sábado, 20 abril, 2024

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“Vivemos em três tempos”

A que leva uma trilha na mata? Comida e abrigo ou lugar nenhum? Se eu estou perdido em uma floresta e vejo uma trilha em que posso acreditar e o que devo fazer? Para William James, ações confirmam crenças e se tornam realidade, sobre se eu não fizer nada e assim continuar perdido ou seguir a trilha, achar a saída e isso será a “salvação”.

Meus votos para o futuro governo: “Aja como se o que você faz fizesse diferença”, “O passarinho não canta porque está feliz, ele está feliz porque canta”… As máximas de William James parecem adequadas e atuais tanto para os temas pessoais quanto coletivos. Na “primavera” de 2005, estive no Japão e ali participei da “cerimônia do outono”. Estrangeiro, lá estava eu de traje verde-primavera enquanto o celebrante vestia algo alaranjado. Isso é alteridade. O que chamamos “realidade”, portanto, é sempre interpretado através de diferentes vitrais: através do amarelo pode nos parecer que o dia esteja radiante; se azul, tempo nublado; “outono” ou “primavera”…

Para o povo brasileiro, entretanto, prevalecerá a vista do indivíduo, de sua felicidade, medos, morte, religião, trabalho, liderança, presença na vida… Todavia, as pessoas precisam ser incentivadas a pensar sobre o mundo em que vivem e, para tanto, compreender a interdependência entre processo civilizatório, retórica, cotidiano, coletividade, satisfação de desejos e necessidades básicas, embaçados ou distorcidos pelo emprego de diferentes vitrais.

Em minha Hermenêutica da desigualdade: uma introdução às Ciências Jurídicas e também Sociais (Del Rey, 2019, p. 12), com fundamento em Fernand Braudel e os seus três níveis de tempo (lento e “preguiçoso”, mais acelerado e também “nervoso”) procuro compreender os encontros e concomitâncias na lentidão das civilizações, ao longo das experiências vividas ao longo de séculos, nas formações sociais mais aceleradas através dos apelos do marketing e do WhatsApp e, por derradeiro, ao nível dos acontecimentos conjunturais e cotidianos. “Movemo-nos nos três [tempos]: pertencemos a grupos de vida cotidiana, submetidos à conjuntura, ao ritmo das redações dos jornais cotidianos”.

Acreditar é preciso, conforme postula William James! Mas ao optar entre ênfases e supressões, será imprescindível ao governo contemplar, através de resultados tangíveis, os interesses de toda a população para, finalmente, definir o seu real tamanho, em que pese qualquer cenário ou adversidade que possa surgir. Por isso, o governo das possibilidades e dessa grande economia terá de ser maior e mais credível que qualquer conjuntura. Aliás, lembra o ficcionista americano Philip Kindred Dick (mais conhecido como PKD), “realidade  é [somente] aquilo que não desaparece, nem mesmo quando deixamos de acreditar nela”.

Publicado originalmente em A TARDE, p. A2, 4 de dezembro de 2018

Taurino Araújo advogado criminalista, escritor, professor doutor em Ciências Jurídicas e Sociais.
Contato:   academico@taurinoaraujo.com

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