quinta-feira, 18 abril, 2024

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Quando os homens passam dos limites e “cantadas” viram assédio

 

Durante muito tempo, as mulheres tiveram de encontrar “jeitinhos” para lidar com situações incômodas de assédio. Tudo isso é claro, por culpa de uma naturalização criada nas sociedades machistas. Ou seja, “porque uma mulher se chatearia ao ser chamada de ‘gostosa’ no meio da rua? Afinal, isso é um elogio!”, pensam os sexistas.  Apesar de parecer piada ou fala caricata,  não é raro que isso seja repetido por quem acha absurdo não ser “correspondido” com simpatia após “comentários elogiosos”. E isso é muito sério, não parece existir limite e respeito quando se trata do que dizer para as mulheres nos mais diferentes ambientes.

Esse foi um exemplo simples e cotidiano, mas as situações assustadoras e invasivas continuam mais frequentes do se imagina. A cineasta Luana Brandão, de 31 anos, já foi tocada de forma imprópria no metrô por um homem desconhecido: “ele me apalpou bem na hora em que saí do vagão. Me virei para esbravejar, mas a porta fechou e o indivíduo ainda riu da minha cara”, conta.

A opinião popular acredita que o limite entre cantada e assédio é confuso, mas se estiver em dúvida, pense o seguinte: se o outro não tem nenhum tipo de envolvimento sexual prévio com você, se referir a este usando expressões, fazendo comentários ou mesmo praticando ações que tenham a ver com sexo e não sejam consentidos, sua prática é assédio.

E ele também pode acontecer (e acontece!) no ambiente de trabalho. A jornalista Ludmila Nascimento, de 35 anos, descreveu uma situação constrangedora e recorrente nos lugares onde trabalhou: “Às vezes estava sentada em minha mesa, super atarefada, e percebia mãos me tocando e fazendo massagem nas minhas costas. Isso aconteceu mais de uma vez e com pessoas com quem eu não tinha intimidade, nada além de conversas casuais na hora do café”, desabafa.

E a história não para por aí: “O problema é que quando isso acontecia eu ficava sem reação, sem saber o que fazer, não queria causar conflito no ambiente profissional, mas ao mesmo tempo eu não pedi por nada daquilo e me senti extremamente incomodada. Não sei quem disse para os homens que uma ‘massagem surpresa’ era boa estratégia para se aproximar”.

Não precisamos explicar o porquê desse caso ser  considerado assédio, mas a psicóloga Apoenna Noronha afirma que pode ser difícil identificar o número de casos no trabalho: “É raro que, no ambiente laboral, pessoas que sofrem com o assédio moral ou sexual se auto declararem. Tudo isso por medo de represálias da empresa”, conta Apoenna, que dá também suporte psicológico aos funcionários do Hospital das Clínicas em Salvador, Bahia.

“Até mesmo o ato de marcar uma consulta psicológica para ser acolhida pode ser complicado, pois  essas pessoas têm medo de que o psicólogo as denuncie. Esses casos ocorrem com mais frequência do que gostaríamos, principalmente em grandes empresas e instituições seculares. Porém, devemos combater essa ideia e estimular os funcionários a compartilharem histórias”.

O mais importante, seja no ambiente social ou profissional, é respeitar as mulheres e as dar apoio quando se sentirem agredidas. Assim, relatos como o de Luana, beijada à força por um desconhecido durante uma festa de ano novo, serão cada vez mais raros: “Foi horrível. Nem tenho como expressar o quanto me senti mal, eu tinha 16 anos. Sai correndo de lá e fugi para casa. Acabou com o meu ano novo. É muito desagradável demais ter certeza que ainda estou sujeita a passar por isso. Acho que somos vistas como objetos a serem conquistados. O machismo existe, é real e palpável, ele está presente em nosso dia a dia”.

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