sexta-feira, 29 março, 2024

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Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles mandam recado a Bolsonaro com ‘Bacurau’

No mesmo dia em que ao menos 170 cidades do país foram tomadas por protestos contra cortes na educação, a equipe do filme brasileiro “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, estreou no Festival de Cannes. E, ainda que sem encampar ato político como fizeram três anos atrás com “Aquarius”, os cineastas mandaram um recado para o governo Bolsonaro.

 

“Será ótimo que um filme como esse possa ser apresentado num país que está desmontando a cultura”, diz Kleber à Folha de S.Paulo, em Cannes, um dia após a estreia do longa.

 

Ainda que o roteiro tenha começado a ser escrito em 2009, a trama incorporou elementos recentes da política brasileira. A produção é uma distopia que imagina um país tomado pela escalada de violência e por uma cisão evidente entre Norte e Sul.

 

O título do filme dá nome à cidade onde a história se passa, um lugarejo no meio do sertão -não necessariamente idílico, mas algo utópico e criado em torno dos valores dos cineastas (museus são mais importantes do que igrejas e a população é racialmente igualitária). “A gente vê Bacurau como uma ideia do país. O Brasil é um país diverso. Mas há uma tentativa em curso para fazer com que ele deixe de ser. É uma distopia em vários sentidos”, diz o diretor. Tanto é que, assim como em “Aquarius”, aquele canto passa a ser assolado por invasores -no caso, uma equipe altamente armada composta por estrangeiros e por entreguistas do Sudeste.

 

A resposta que se segue é um banho de sangue que tem referência nos filmes de faroeste e faz ode ao cangaço (personificado na figura do personagem transgênero Lunga), exaltado como uma postura de resistência cultural ante o imperialismo.

 

Ao exaltar esses elementos enraizados na cultura tradicional, os diretores também criticam certa visão condescendente com que muitas vezes os habitantes do sertão são retratos em filmes afora. “Mantivemos o espírito original dessas pessoas, que não são coitadinhas. Isso de chamá-las de gente simples sempre foi algo que me incomodou”, diz Dornelles.

 

“Em muitos documentários, ainda que com boas intenções, elas são tratadas quase como se fossem animais.” “Bacurau” ainda não tem data de estreia no Brasil. “O filme é muito claro, mas agora a gente quer entender o que vai acontecer quando for exibido para os brasileiros”, completa Dornelles.

 

O filme dos diretores pernambucanos encontra curiosos ecos com outras produções que concorrem à Palma de Ouro e que fazem uso das convenções do chamado cinema de gênero para abordar assuntos de relevância social. É o caso de “Little Joe”, de Jessica Hausner, e de “Atlantique”, de Mati Diop.

 

Este último marca a primeira vez que uma mulher negra compete na seleção principal do Festival de Cannes em 72 edições do evento. Parisiense de origem senegalesa, a diretora ambienta sua história nos subúrbios da contemporânea Dakar, onde trabalhadores braçais são explorados e o desejo de imigrar é perene.

 

Ali, vive Ada, jovem que está prometida a um pretendente rico. Ela, entretanto, está apaixonada por Suleiman, que nutre o sonho de pegar o barco rumo à Europa.

 

O que se anuncia, no primeiro terço, como um drama social sobre a vida de africanos pobres, toma um rumo inesperado quando são inseridos elementos fantásticos, que têm a ver com a mitologia local. O surreal é a chave para que Mati Diop aborde temas como a pobreza, a religião e o machismo.

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